quarta-feira, 9 de maio de 2012

O mel descoberto pela Alemanha


Pouco conhecido e desvalorizado no Brasil, mel de melato da bracatinga caiu no gosto dos alemães e chega ao mais alto preço para exportação

por Sandra Damiani | Fotos Caio Cezar Nascimento, de Urubici, SC 
Editora Globo
Nos anos pares um fenômeno curioso se repete na serra catarinense: a bracatinga (Mimosa scabrella) é atacada pela cochonilha que expele o melato, um líquido açucarado que, procurado pelas abelhas, dá origem a um mel único, mais escuro e ligeiramente menos doce daquele de néctar floral. O produto foi durante muitos anos motivo de dor de cabeça aos apicultores catarinenses, que corriam para retirar suas abelhas antes que elas “sujassem” o mel floral com o de melato ou ficavam com o produto encalhado para venda, mas caiu no gosto do consumidor alemão e alcançou o posto de mel brasileiro mais bem pago no exterior, com preço até 20% superior ao mel floral orgânico, cerca de R$ 4,60 quilo.



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A virada que ninguém esperava aconteceu nos anos 2000 quando amostras do mel, com parco mercado consumidor no país foram parar na Alemanha. Nem mesmo o exportador na época imaginava um interesse tão grande para o produto. “Mandamos a amostra para ver qual seria o resultado. Foi uma surpresa para nós” recorda o diretor da Minamel, Agenor Sartori Castagna.

Em plena temporada de coleta do mel de melato da bracatinga, cuja produção ocorre entre março e maio dos anos pares, os apicultores do planalto catarinense estão em clima de comemoração e de olho no tempo. Tudo indica que a temporada de mel escuro, como costumam chamá-lo, será uma das melhores dos últimos quatro anos quando amargaram quedas dramáticas de produção. “Se continuar seco, teremos uma supersafra”, aposta Agenor, que espera comercializar pelo menos 120 toneladas do produto de uma produção total estimada em 800 toneladas.

“Até começarmos a exportá-lo esse mel não tinha valor. Ele era o patinho feio, hoje é um dos cisnes”, compara Tarciano Santos da Silva, gerente de exportação da Prodapys, empresa na liderança do comércio exterior de mel cuja previsão de vendas para esta safra de mel de melato deve girar entre 200 e 400 toneladas, cerca de 10% da exportação total para o ano. Tarciano explica que a cor intensa e sabor marcante, motivo de estranhamento do consumidor brasileiro, foi justamente o que atraiu os alemães, acostumados ao seu próprio mel de melato oriundo da Floresta Negra. ”Os consumidores alemães, austríacos e suíços são os que mais gostam de mel de melato”, diz o alemão Thomas Heck, que trabalha com importação para os mercados alemão e inglês.

A valorização em cada temporada depende de variações do dólar e da quantidade lançada no mercado por outros países exportadores. Segundo Thomas, além da produção local em países como Alemanha, Suíça, Áustria e França, são fornecedores Espanha, Itália, República Checa, Turquia, Argentina e Brasil. Uma vantagem do mel de melato brasileiro é a origem em áreas nativas que respeitam a regulamentação para orgânicos da União Européia. “Pelo menos 95% do produto é certificado. Os outros 5% poderiam ser orgânicos, mas não tem a certificação, entaotemos que vender como convencional”, revela Tarciano. A diferença é significativa sobre o mel floral –entre R$ 0,60 a R$ 1, respectivamente, se comparado aquele orgânico ou sem a certificação.


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Os apiários de Urubici (SC) extraem o mel que não tinha nenhum valor
Indalécio Borguezan e o compadre Alfonso Pichler ainda lembram dos tempos difíceis quando o mel de melato não chegava a 50 centavos de dólar, cerca de cinco vezes menos do valor atual. “Quando estávamos quase colhendo novamente, ainda tínhamos mel estocado da temporada anterior”, conta. A certificação de mel orgânico, conquistada em 2000, na qual é pioneiro no país, tornou-se um diferencial para o produtor quando o mercado alemão de melato foi descoberto. “Tivemos de investir bastante no maquinário, mas valeu a pena”, avalia Indalécio que exibe casa de mel e manejo modelo. De lá para cá, o número de colméias triplicou. São 1.200 caixas com a produção prevista em 30 toneladas, 10 toneladas de mel de melato.

Com suas 400 colméias forrageando sobre a bela Serra dos Farrapos, em Urubici, onde ainda é possível avistar bracatingais em abundância, o apicultor Eduardo Copetti e a esposa Fabiana conseguiram tirar unicamente do mel o sustento da família, formada pelo casal e dois filhos. A casa e o terreno onde vivem, o carro, a picape e a casa de mel já foram pagos com a atividade. Tudo que nós temos é por causa do mel”, resume satisfeito. 
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Parte disso, graças ao mel escuro. Mesmo restrito a safras intercaladas, o mel de melato é muito mais produtivo do que o mel floral. Em sua melhor temporada, em 2006, alguns apicultores chegaram a atingir o recorde de 100 quilos por colméia. Mais de seis vezes a média de 15 quilos do mel de néctar. Os 4.200 quilos que Eduardo coletou na primeira quinzena encheram 14 tambores, e já ultrapassam a quantidade de 2010. Ele espera fazer três ou, até mesmo, quatro coletas só nesta temporada.

De Caçador no Oeste catarinense, Walter Bartholet levou um dos primeiros lotes de mel de melato até a sede da Prodapys, em Araranguá, no litoral do estado, mas não parecia aborrecido com a viagem que lhe tomou todo o dia. Filho de Suíços que imigraram para o sul do Brasil, Walter, que cursou o colégio agrícola no país, foi para a Suíça fazer formação em agronomia e retornou impaciente para administrar as colméias da família, atualmente 800 distribuídas nas cidades de Caçador, General Carneiro e Calmon. Até 2014, ele quer cobrir uma área de 150 quilômetros no entorno da casa de mel, incluindo outros apicultores neste projeto. 
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Tarciano, sócio da empresa que beneficia e comercializa o mel de melato
O fascínio de Walter por abelhas desde a infância acabou por direcionar seus pais para esta atividade. Aos 5 anos ele praticamente “obrigou” sua mãe a ler um livro de apicultura suíço. Dá leitura de “O pai suíço das abelhas”, de 1976, o menino aprendeu, entre outras coisas, a diferenciar zangões, operárias e rainhas e de tanto fazer incursões no campo para capturar enxames, seu pai lhe deu 35 caixas ainda aos 7 anos de idade. “O pai disse então que eu poderia correr à vontade atrás dos enxames”, relembra o apicultor entre risos. E Walter cumpriu a recomendação. Dos mil quilos por ano dessas primeiras colméias, espera neste ano pelo menos 30 toneladas, mais de 90% de mel de melato. “Caso voltem as áreas naturais de bracatinga e ajudarmos a recompor, nós conseguiríamos até triplicar a produção”, acredita.

Essa trajetória o tornou um apicultor extremante técnico e um dos maiores produtores de mel de melato do estado. Por isso, à frente de seu tempo, já começa a pensar estratégias para assegurar a produtividade. Ele planeja iniciar a restauração de bracatingais, que sofreram séria redução nos últimos anos 10 anos devido à expansão da pecuária extensiva e corte para queima, e fazer experiências de inoculação da cochonilha em árvores sem o inseto. “Deveríamos ter uma apicultura própria para o Brasil, explorando melhor o melato, o mel silvestre e regiões como o pantanal e a caatinga”, opina. 
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“Se conseguirmos, amparados pela legislação, associar a produção de mel de melato e madeira de bracatinga para fins energéticos, teremos uma das plantas nativas mais lucrativas do Brasil”, afirma categórico o engenheiro agrônomo e doutor em Biologia Afonso Inácio Orth, da Universidade Federal de Santa Catarina. Á frente de uma das poucas pesquisas já realizadas sobre o assunto, Afonso concorda que faltam pesquisas e recursos para desenvolver tecnologia para manejo em questões-chave numa interação tão delicada. Uma delas, compreender porque a cochonilha não se distribui em toda área de ocorrência da bracatinga. “Não sabemos se é um problema climático ou de dispersão da cochonilha”, especula.

A área infestada pelo inseto oferece melato suficiente para que cerca de 300 apicultores produzam mel com destino certo para a Alemanha. Mas, depois de uma década de exportações para um consumidor exigente, quem é apresentado ao mel de melato pela primeira vez, não encontra mais apicultores tímidos com o primo “diferente” do mel floral. “Quem experimenta, não quer outro mel”, diz IndalécioBorguezan, com a convicção de quem sabe o valor de seu produto. Agora que a família deve mudar sua casa e a pequena loja de venda direta para uma área mais próxima dos consumidores, talvez esse seja o prenúncio do merecido reconhecimento do mel de melato, bem aqui mesmo, dentro do Brasil.
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