Em um futuro próximo, será possível identificar se água, solo ou alimentos estão contaminados por pesticidas em minutos e de qualquer local. Pesquisadores brasileiros desenvolveram e construíram um biossensor capaz de detectar a presença do inseticida metamidofós em diferentes materiais. O estudo é uma parceria entre o Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP) e a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e promete facilitar, com um aparelho portátil, o processo de identificação de agrotóxicos.
O desejo de criar o biossensor surgiu dos altos índices de uso de defensivos Agrícolas nas lavouras de Mato Grosso, de acordo com a pesquisadora e doutoranda do IFSC Izabela Gutierrez de Arruda, uma das responsáveis pelo projeto. "A motivação maior veio do fato de a produção de grãos no estado ser muito forte e, consequentemente, o uso dos pesticidas também", conta. A ideia de criar o protótipo do sensor se consolidou em 2010, durante um congresso promovido pelo Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (Ineo). À época, cursando o mestrado na UFMT, Arruda foi convidada para fazer a pesquisa em parceria com o IFSC.
Para identificar o metamidofós, os pesquisadores utilizam uma película que contém uma enzima chamada acetilcolinesterase, cuja ação é inibida na presença do pesticida. Em condições normais, a enzima gera determinada quantidade de íons, porém, em contato com o agrotóxico, essa produção diminui. O biossensor compara o índice obtido com o padrão e exibe no visor se existe contaminação no material analisado.
A princípio, cogitou-se iniciar o projeto com a identificação de um outro pesticida, chamado glifosato. A escolha pelo metamidofós aconteceu devido à ampla utilização do produto na época do início dos estudos e ao potencial tóxico elevado que ele apresenta. "Pouco depois da escolha, recebemos um levantamento realizado pelo Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (INDEA-MT) que mostrava o metamidofós como o segundo inseticida mais utilizado no estado, o que dava ainda mais respaldo para a escolha", afirma Arruda.
Devido aos efeitos nocivos do agrotóxico à saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou a proibição do uso do metamidofós na agricultura ou em qualquer outra atividade em que exista a exposição humana desde julho de 2012. Segundo avaliação de toxicidade divulgada pela agência, o inseticida pode causar de dores de cabeça, tonturas, vômito e diarreia até convulsões, coma e morte.
Ajustes
Apesar de, atualmente, o protótipo produzido possuir capacidade para identificar apenas o metamidofós, o sensor pode, com pequenos ajustes, reconhecer outros pesticidas. "Com uma recalibração, é possível adaptá-lo para qualquer inseticida organofosforado (composto orgânico que contém fósforo)", explica o também pesquisador do IFSC e um dos orientadores da pesquisa Nirton Cristi.
A construção do biossensor para reconhecer a presença do metamidofós, de acordo com Izabela Arruda, é simples se comparada às técnicas utilizadas atualmente. "Não usamos aparelhos muito sofisticados, e os métodos para construir o sensor não são complexos."
Quando produzido em escala industrial, o aparelho terá o tamanho aproximado de um medidor de diabetes portátil, o que possibilitará descobrir os níveis de contaminação em qualquer local. "Essa é uma das maiores vantagens. Por exemplo, um agricultor vai poder, ele mesmo, antes da distribuição dos alimentos, medir a quantidade de pesticida existente neles. Assim, é possível ter um controle de qualidade muito maior", afirma o pesquisador.
Hoje, a identificação acontece apenas em laboratórios que, em sua maioria, estão localizados em grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro. Para ser base de laudos técnicos, no entanto, o protótipo produzido ainda precisa de aprovação em testes de agências reguladoras. "Já é possível medir com precisão, mas ainda não podemos oficialmente emitir o que mensuramos", esclarece Nirton Cristi.
Os pesquisadores procuram agora parceiros que viabilizem a produção industrial e a comercialização do biossensor. O aparelho passaria por adaptações para chegar ao mercado. Cristi afirma que o custo final do sensor seria de cerca de R$ 100. "Hoje, produzindo para a pesquisa, nós utilizamos chips, mostradores e cabos de baixo custo. Em uma produção de escala industrial, o valor será, com certeza, ainda menor", explica.
Para Cristi, outro aspecto relevante do estudo é a interação entre as duas universidades. "Aconteceu uma relação de troca de conhecimento e experiências entre um centro de pesquisa em desenvolvimento (a UFMT) com outro já consolidado, que é a USP. Além disso, esse é um projeto interdisciplinar, que agrega várias áreas da ciência em favor do bem comum", comenta.
"A motivação maior (do estudo) veio do fato de a produção de grãos no estado (Mato Grosso) ser muito forte e, consequentemente, o uso dos pesticidas também" . - Izabela Gutierrez, pesquisadora envolvida no projeto
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